Ágio interno também pode ser amortizado, diz Carf
VOTO DIDÁTICO
Por Pedro Canário
Pagar menos imposto é um direito do contribuinte. Planejar-se
para isso, desde que dentro da lei, portanto, é completamente legítimo. Foi o
que decidiu o conselheiro Carlos Eduardo Almeida
Guerreiro, do Conselho de Administração de Recursos Fiscais, o Carf, no voto
que definiu que a compensação tributária do ágio da reestruturação societária
da Gerdau é legal.
Foi o voto vencedor. Discordou da relatora, conselheira Edeli
Pereira Bessa, e abriu a divergência ao argumentar que a economia tributária
não deve ser obrigatoriamente fruto do acaso. Agir deliberadamente para pagar
menos impostos é tão permitido quanto qualquer atitude negocial legal.
Guerreiro parte de um princípio muito simples: “A
previsibilidade da tributação é um dos seus aspectos fundamentais”. O
contribuinte precisa saber de antemão o que terá de pagar, e não cabe ao Estado
decidir, a cada caso, o que é permitido ou não. Exatamente por isso é que é
legal se planejar para evitar tais impostos. “Estranho seria supor que as
pessoas só pudessem buscar economia tributária licita se agissem de modo
casual, ou que o efeito tributário fosse acidental”.
Preâmbulo
Em voto didático, Carlos Guerreiro prefere, antes de começar a argumentar, definir
os conceitos que vai tratar já na ementa. Ágio, segundo ele, “é a
diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor patrimonial das
ações adquiridas”.Em voto didático, Carlos Guerreiro prefere, antes de começar a argumentar, definir
Ágio interno, que é a questão discutida no caso da Gerdau, merece
consideração um pouco mais elaborada. “A circunstância da operação ser
praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio,
cujos efeitos fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio
surgido em operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele surgido em operações entre
empresas sem vinculo, não é relevante para fins fiscais.”
E arremata, mais uma vez, de maneira clara e objetiva. “Para
fins fiscais, o ágio decorrente de operações com empresas do mesmo grupo não
difere em nada do ágio que surge entre empresas sem vínculo”. Se o ágio
calculado nas aquisições entre empresas de diferentes controladores pode
amortizado do Imposto de Renda e da CSLL, não há motivo para o ágio advindo das
compras entre empresas de mesmo controlados não o ser.
Sem base
O Carf é composto por conselheiros representantes do contribuinte e da Receita Federal. Guerreiro representa o fisco. Nem por isso defende sua instituição original. “Não há base no sistema jurídico brasileiro para o fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito”, afirma.
O Carf é composto por conselheiros representantes do contribuinte e da Receita Federal. Guerreiro representa o fisco. Nem por isso defende sua instituição original. “Não há base no sistema jurídico brasileiro para o fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito”, afirma.
Aproveita para definir “elisão fiscal” e diferenciá-la de
“sonegação fiscal”: “Em direto tributário não existe o menor problema em a
pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos
(elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder
do credor os fatos tributáveis (sonegação)”.
Tanto faz
Comparado ao voto vencido, da conselheira Edeli Bessa, de 27 páginas, Guerreiro é conciso. Consegue explicar o caso e criticar a posição da Receita em oito páginas.
Comparado ao voto vencido, da conselheira Edeli Bessa, de 27 páginas, Guerreiro é conciso. Consegue explicar o caso e criticar a posição da Receita em oito páginas.
No caso da Gerdau, a operação se deu dentro do que Guerreiro
chamou de Grupo Gerdau. São três empresas, que foram denominadas A, B e C, todas
sob o chapéu do grupo. A controlava B e comprou o controle de C com ações de B.
Nessa operação, as ações de B foram recebidas por C com certa valorização
patrimonial. Sendo assim, A registrou ganho de capital, ao passo que C apurou
ágio. O Grupo Gerdau pretende descontar esse ágio do Imposto de Renda de da
Contribuição Social sobre Lucro Líquido.
A Receita afirma que não se pode contabilizar o ágio numa
operação interna. Como não houve transferência de ativos entre duas empresas,
diz o fisco, a operação não pode ser considerada uma aquisição. “À luz da
teoria da contabilidade é inadmissível o surgimento de ágio em uma operação
realizada dentro de um mesmo grupo econômico”, afirma a Receita, citando Jorge
Vieira da Costa Júnior e Eliseu Martins.
Guerreiro traça mais uma crítica. Afirma que a Receita citou, da
obra dos autores, somente a parte que as interessava. A mesma obra afirma que,
mesmo em caso de operações dentro do mesmo grupo, para fins fiscais (e não
contábeis), é possível apurar ágio e ele pode ser amortizado. “Portanto,
percebe-se que as afirmações feitas pelos fiscais deturpam a posição dos
autores que transcrevem”, escreveu o conselheiro.
O livro citado pelo fisco para basear seus argumentos, aliás, se
chama A incorporação reversa com ágio gerado internamente:
consequências da elisão fiscal sobre a contabilidade, como bem
reparou Carlos Eduardo Guerreiro. Ele também repara que já no título os autores
admitem os efeitos tributários do ágio interno, quando falam em elisão. E
diferenciam efeitos fiscais de efeitos contábeis.
Conclui que, para efeitos fiscais, não há diferença se a compra
foi feita por meio de uma compra ou troca de ações. “Tanto faz que a aquisição
decorra de uma compra, ou decorra da aceitação que a subscrição seja feita por
entrega de quotas/ações, recebidas por valor acima do valor patrimonial. A
aquisição é gênero, do qual a compra ou a troca, por exemplo, são
espécies."
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