No universo das start-ups, o fracasso é quase a regra





Histórias de empresas que faliram apesar de ter montes de dinheiro investidos são muito mais comuns que enredos de sucesso.Investimento e boas ideias não garantem sustentabilidade do negócio.


Publicado no Globo.com :24/09/13 - 8h00


RIO — O engenheiro Maurílio Alberone acreditava, em 2007, ter em mãos a tecnologia que iria revolucionar o bilionário mercado de publicidade de TV. Naquele ano, ele e seus sócios fundaram a Peta 5, empresa start-up que queria levar a segmentação dos anúncios da internet àquele veículo de massas. Os sócios não eram os único que acreditaram no potencial do projeto: Finep e CNPq, entidades públicas de financiamento, injetaram juntos R$ 400 mil nele, elevando para meio milhão o capital da companhia e proporcionando equipe de 14 funcionários. Só um detalhe não encaixava no horizonte promissor da Peta 5: ninguém estava interessado em seus serviços.

Histórias como essa, de start-ups que fracassaram apesar de toda a expectativa e
do monte de dinheiro investido, são muito mais comuns do que enredos de sucesso. Na verdade, falir parece ser a regra nesse universo de alto risco.

— Não existem números confiáveis sobre o mercado de start-up brasileiro. Mas calcula-se que, a cada mil start-ups, apenas uma sobrevive mais que três anos ou chega a gerar uma renda sólida. Acredito que esse número está bem próximo da realidade — conta Alberone, com a experiência de quem fundou em 2010 o site StartupBase, que agrega informações sobre o setor no país.

Segundo o empresário, a Peta 5 não deu certo porque, enquanto consumiam quatro anos desenvolvendo o produto, os sócios não dedicaram qualquer tempo entendendo o mercado de TV.

— Esse é um dos erros mais comuns cometidos por quem funda uma start-up: ficar cego pela tecnologia. Quando finalmente apresentamos o produto a executivos de TV, eles elogiavam a ferramenta mas diziam que ela não fazia sentido em seus modelos de negócio. No fim, geramos apenas R$ 50 mil em receita com serviços paralelos, apenas para conseguir alguma grana — reconhece Alberone.
Embora o fracasso seja endêmico na cena start-up, é raro ver empreendedores brasileiros que confessem sua ruína. Alberone admite ter passado três meses deprimido com o fim da Peta 5, evitando tocar no assunto, mas diz que acabou aprendendo um novo significado para a falha.

— Hoje, pra mim, a falha é um método eficiente para validar a ideia se vier de forma rápida, em dois meses, por exemplo. Já iniciei um monte de projetos que encerrei nesse período ao ver que não daria certo — afirma o engenheiro, que hoje tem duas empresas que prosperam, a Edools e a Bizstart. — Nos Estados Unidos, o fundador de uma start-up de sucesso geralmente já teve cinco ou até dez fracassos anteriores. Aqui, as pessoas ainda têm vergonha de falar do que não deu certo.

‘O erro é pensar que a ideia é infalível’

Mas a mentalidade está mudando. Em outubro, ocorrerá em Porto Alegre a segunda edição brasileira da FailCon, convenção trazida dos EUA que é exclusivamente dedicada a depoimentos de empreendedores cujas start-ups fracassaram.

— O erro mais comum é pensar que sua ideia é infalível sem saber o que o cliente vai achar — diz Rafael Chanin, um dos organizadores do evento. — Repetir um sucesso é muito mais difícil do que evitar um fracasso, por isso trouxemos pra cá a convenção.
Nem mesmo start-ups com modelos já testados lá fora têm futuro garantido. A brasileira Shoes4You, de venda de sapatos e acessórios de moda por assinatura, foi inspirada em sites americanos. Fundada em 2011, recebeu “vários milhões de dólares” em investimento e vendeu 75 mil pares de calçados, segundo o cofundador Olivier Grinda. Tinha toda a cara de certo, ele admite, mas não deu: o site fechou abril passado.

Na avaliação de Grinda, o Shoes4You foi vítima das peculiaridades do mercado brasileiro e de erros de execução. Os altos impostos elevavam os custos e restringiam a margem de lucro, enquanto o negócio de nicho não alcançava número suficiente de clientes. O preço dos produtos era muito menor do que o necessário. Quando os investidores deixaram de olhar apenas para o número de clientes e quiseram saber do lucro, o negócio não se sustentava.

— A época do dinheiro barato acabou. Se uma start-up quiser sobreviver, em vez de focar na geração de receita e na obtenção de novos usuários, deve procurar a sustentabilidade o mais rapidamente possível — recomenda Grinda, que cofundou a clickOn e a Brandsclub.

Sobrevivendo da mesada do pai

Mesmo para quem conseguiu sobreviver, o caminho não foi fácil. Em 2000, o então recém-formado em Informática Fabio Freitas se juntou a seis colegas que conheceu durante a graduação na PUC-Rio para fundar a nTime, start-up que criava aplicações via WAP e SMS para celulares. A empresa conseguiu um espaço no Instituto Gênesis, incubadora gerida pela própria faculdade, recebeu um aporte de capital de um professor da universidade, mas somente após quatro anos os empreendedores conseguiram salários compatíveis com o mercado.

— No primeiro ano a gente faturou R$ 20 mil, que foi todo investido na empresa. Eu vivia com a mesada do meu pai — lembra Freitas. — Demorou, mas conseguimos chegar lá. No terceiro ano a gente faturou mais de R$ 1 milhão.

Após compras e fusões, a nTime se transformou na Movile, umas das empresas brasileiras de tecnologia de maior sucesso, com nove escritórios espalhados por seis países. Freitas continua acionista, esperando melhor momento para se desfazer da participação, mas deixou a companhia em 2009. O empreendedor não fala sobre cifras, mas após as vacas magras, conseguiu reservas suficientes para passar dois anos sem trabalhar.

— Não resolvi a vida, mas o dinheiro que ganhei lá me permitiu realizar sonhos. Viajei bastante, fiz um mestrado, investi em conhecimento — conta Freitas, que está iniciando sua segunda empreitada com a Dot Legend, start-up especializada em mobile shopping. — É uma visão de longo prazo. As pessoas acham que vão criar uma start-up e ficar milionários em dois, três anos, mas isso não é real.

Rumo ao primeiro milhão

Fundada há pouco mais de três anos, a Mobbr se encaminha para ultrapassar a barreira de R$ 1 milhão em faturamento. Com investimento de R$ 10 mil, a start-up começou oferecendo serviço de distribuição de conteúdo para celulares e plataformas over-the-top, como o Netflix. Com o segmento saturado, o fundador da empresa, Marcos Ferreira, decidiu diversificar e lançou a MobContent, produtora de conteúdo transmídia.
A iniciativa já começa a render frutos. Lançado há cerca de um ano, o novo serviço já conquistou dois editais públicos e conseguiu R$ 13 mil em financiamento via crowdfunding. Em agosto do ano passado, a empresa foi selecionada para participar do programa Rio Criativo, mantido pelo governo do Estado.

— Para dar certo, uma start-up precisa ter maleabilidade. Os erros fazem parte do processo, mas é preciso corrigir rapidamente e se adaptar — aconselha Ferreira, vencedor do programa Jovens Empreendedores Criativos de 2013 oferecido pelo British Council.

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